Na saída dos Estúdios Globo, Amaury Lorenzo e Diego Martins são abordados por uma senhora, que lhes pede uma foto. Depois de a atenderem, os dois entram no mesmo carro, a caminho desta pauta para o EXTRA, para a euforia dela: “Ai, olha só, eles estão juntos na vida real também!”.
A torcida pelo casal Kelmiro, de “Terra e paixão”, tem extravasado as fronteiras da ficção, ditada pelo autor Walcyr Carrasco, em que o bronco capataz Ramiro (Amaury) luta contra seus sentimentos por acreditar ser errado gostar de um homem, enquanto Kelvin (Diego), novo sócio do Naitandei, tenta convencê-lo de que vale a pena combater preconceitos para viver esse amor.Fora de cena, a sintonia entre os atores se estende para os vídeos divertidos publicados em suas redes sociais, arrebatando e confundindo os calorosos fãs da dupla, apelidados de kelmiretes.
Acho normal essa pressão para que a gente vire um casal de verdade. É algo que as pessoas criam para ficar ainda mais legal. Somos realmente muito próximos na vida real, e isso acaba dando vazão a essa fantasia dos outros. Eu mesmo já torci por algo assim quando assistia a filmes e achava que aqueles casais podiam ser de verdade, para o meu próprio prazer observa Diego, de 26 anos, paulista de Campinas que hoje vive na Barra, Zona Oeste do Rio.Amaury, de 38, brinca sobre as especulações de um namoro entre os dois. Diego é um homem lindo, inteligente, interessante... Se o Brasil inteiro está apaixonado por ele, por que eu não ficaria? sugere o mineiro de Congonhas, que morava em Niterói, mas trocou a cidade pelo Recreio dos Bandeirantes para ficar mais perto do trabalho, em Jacarepaguá.
Foi nesse clima leve e bem-humorado, tal qual o de Kelvin e Ramiro na novela das nove, com direito ao famoso apertãozinho, que aconteceu o ensaio de fotos e a entrevista com esses que são o maior sucesso de “Terra e paixão”.
Quisemos fotografar com looks elegantes porque queríamos passar uma imagem diferente da que nos veem na TV e da que costumamos usar no nosso dia a dia. Nunca fiz um editorial bonito dessa maneira — comemorou Diego, que tem carreira como drag queen e costuma usar salto, peruca e maquiagem caprichada em sessões de fotos temáticas.Quase homônimo do personagem de Diego, Kevin, produtor de moda da pauta, questionou se Amaury aceitaria usar saia no ensaio.Por que não? Quanto mais a gente se importar com os preconceitos, mais vai produzir Ramiros por aí. Nessas fotos são dois homens, simplesmente. Um preto e um branquinho. E é a nossa primeira capa juntos! orgulhou-se.
Vocês estão solteiros?
Amaury: Eu estou. Sou muito afetivo, gosto de dar atenção, conversar... Fica difícil administrar trabalho e vida amorosa. Novela exige dedicação atlética, e eu gosto de fazer tudo muito bem. Sinto falta (de uma companhia), mas...
Diego:
Eu tive um relacionamento muito longo, que terminou faz um ano. Nesses últimos meses, estou imerso na novela.
Têm recebido muitas cantadas e nudes?
A: Muitos nudes! Esses dias, correndo na praia, tive que parar toda hora pra foto. Perguntaram se podiam apertar a minha bunda. Deixei, sem problema.
D: Quando as pessoas pedem, ok. Mas o que me apertam de surpresa... Já chegam apertando e beijando. De repente, aparece uma mão. “Kelvin gosta de apertão, né?”. É, mas eu não sou o Kelvin...
Como surgiu o famoso apertãozinho?
A: Veio no texto, e a gente foi ampliando. É um jeito de mostrar afeto com diversão. O apertãozinho é coisa de tesão. Aperta, mas quer tocar, beijar...
O público cobra o primeiro beijo pra valer entre Kelvin e Ramiro, e já tem gente escrevendo fanfic com cenas picantes entre os dois. Vocês também torcem para que essa relação vá além do beijo?
D: Os fãs adoram criar histórias paralelas. Eles querem o casal no dia a dia, o sexo. Já passou da hora de levar ao ar cenas mais picantes entre dois iguais. Quantas cenas de sexo a gente vê de casais hétero? Até em novela das sete! Não falo só de “Terra e paixão”: é preciso tirar o estigma, acabar com o tabu.
A: Se criam fanfics, é sinal de que querem mais, né? O público assiste a novelas há 60 anos. Quanto mais se problematiza um beijo, mais se distancia da normalidade. Walcyr vai saber a hora certa de escrever a esperada cena. A gente confia. Por que um casal hétero pode beijar na rua e um homoafetivo não?
D: Aos 18 anos, passei por uma situação constrangedora em Osasco, onde morava com meus pais. Eu e meu namorado demos um selinho no portão do prédio. A síndica viu da janela e mandou uma carta pro meu pai e pra todos os condôminos falando que o filho do João estava cometendo atos libidinosos nas áreas livres e comuns do edifício. Entramos na Justiça contra ela por homofobia. Houve testemunhas a nosso favor, mas perdemos o processo. Anos depois, uma senhora que testemunhou contra nós pediu desculpa. Disse que se sentia arrependida. As pessoas têm o seu tempo, mas não podemos ficar esperando.
A: Ninguém nunca censurou a gente de se beijar na novela, porque o beijo nunca foi escrito. Só gravamos o que o autor escreve. O roteiro chega assim: “quase se beijam”, “clima de afeto”. A cobrança pelo beijão vem do público.
D: As primeiras perguntas que me fazem é “Onde está o Ramiro?” e “Quando vocês vão se beijar?”. Gente de todas as idades, em todos os lugares.
Diego já se autodeclarou um homem gay. E você, Amaury, se considera parte da comunidade LGBTQIA+?
A: É claro que me sinto! Sou professor de teatro e tive três alunos assassinados por serem LGBTQIA+. Um foi morto pelo pai. Acolhi um amigo em casa que foi espancado por estar ficando com outro homem na rua. Já recebi ex-alunos expulsos por pais evangélicos, por serem gays. Como eu posso não estar nessa luta? Vamos participar de uma Parada LGBTQIA+ no dia 29 (em Madureira). Me convidaram pra ser o rei, mas posso trocar com o Diego e ser a rainha.
Mas você se identifica com alguma das letras da sigla?
A: Eu me considero um homem LGBTQIA+. Pode ser que daqui a pouco eu me case com outro homem, cis ou trans, com uma mulher, cis ou trans... Eu sei que o público tem curiosidade de saber sobre a minha sexualidade. Não tenho problema com relação a isso. A única questão é quando o assunto fica acima do meu trabalho como ator.
Quando você declarou a sua homossexualidade, Diego, foi tranquilo?
D: Essa pauta nunca foi uma questão lá em casa porque meus pais tiveram muitos familiares gays e lésbicas, antes mesmo de eu nascer. Isso fez toda a diferença. Eles se formaram com outra cabeça, sempre foram muito ligados às artes. Então, nunca houve a preocupação com o que eu viria a ser, mas um medo do que eu viria a sofrer. Quando pré-adolescente, eu já achava os meninos bonitos, mas eu não queria fazer nada sobre isso naquele momento. Aos 16 anos, me apaixonei pelo meu melhor amigo, que virou meu primeiro namorado. Mas eu já tinha namorado meninas antes dele. Minha mãe só sugeriu que eu não me tornasse drag queen, porque é um tipo de artista que costuma trabalhar só à noite em boate, e eu tinha talento além disso. E foi justamente o que eu me tornei, a drag Diego. Agora, ela ama me ver montado. Sempre temi sofrer preconceito e perder trabalhos por ser quem eu sou. Quem coloca a cara e diz “eu sou gay” corre o risco de não ser aceito, por mais talentoso que seja. Mas eu não tive outra escolha, e nem quis ter. Priorizo quem eu sou e a minha liberdade.
Amaury, já sofreu algum tipo de preconceito?
A: Ouço sempre que fui pra cama com todo mundo pra poder estar nessa novela, que eu fico explorando o meu corpo... Tentam me agredir por ser um homem de 1,80m, preto, com a bunda e o peitoral grandes. Gente, são 25 anos varrendo teatro! O preconceito sempre vai correr nas veias da nossa sociedade. Ainda criança, lá no interior de Minas, com 8, 9 anos, eu já era alvo de comentários cruéis por dançar balé clássico. Uma vez, saindo da aula, ouvi pessoas me chamando de viadinho, e eu nem sabia o que isso significava. Quando me virei, eram vendedoras de uma loja de roupas. No bairro onde eu morava, um garoto gritou: “Amaury, olha pra trás!”. Ele estava com uma arma de bolinha apontada pra mim. Me chamou de viadinho e atirou. Fez um buraco nas minhas costas. Comecei a ter vergonha de fazer balé. Aos 10 anos, ia fazer teste para uma companhia de balé de Londres, e minha mãe foi à escola pedir licença para eu ir a Belo Horizonte. Quando voltei, dois dias depois, a professora de inglês debochou, na frente de 40 alunos: “Sabiam que Amaury é bailarino? Se eu falasse o que eu penso, eu seria expulsa da escola”. Terapia me ajudou a superar.
Que repercussões têm sido emocionantes junto ao público da novela?
A: Um cara me disse que foi casado com uma mulher por anos. Quando os filhos fizeram 18, ele se abriu, ela entendeu, os dois se separaram e viraram amigos. Aí, ele acrescentou: “Tenho 64 anos. Olho pro Antônio La Selva (personagem de Tony Ramos na novela) e vejo o meu pai. Enquanto ele estiver vivo, o preconceito está tão enraizado dentro de mim, que eu não consigo beijar outro homem. Daqui a pouco, quando ele partir, acho que vou me livrar da culpa”. Olha que doloroso: ele está esperando o próprio pai morrer para criar coragem de ser quem é e amar quem quiser! Eu e Diego gravamos uma cena em que Ramiro diz pra Kelvinho: “Eu quero te amar, mas não posso. Não aprendi assim”. Fazer uma cena assim me dói tanto... Até o público mais conservador me diz: “Que tristeza esse rapaz não poder ficar logo com aquele menininho”
.Vocês já tiveram vergonha de revelar um relacionamento?
D: De assumir, não. Mas de ser assumido. Tive um namorado homofóbico (Amaury se surpreende com a declaração do amigo). Gay homofóbico é a coisa mais comum do mundo! Não é normal, mas é comum. Assim como mulher machista. Ele se declarou gay pra família quando a gente já estava junto, os amigos sabiam. Tinha o estereótipo do homem padrão, sabe? Quando comecei a me montar, me maquiar, me apresentar com salto, ele lidou muito mal. Falava coisas agressivas pra mim, horríveis. A gente terminou e ficou um bom tempo sem se falar. Ele saiu do Rio, foi estudar fora, e depois de uns dois anos me procurou. Conversamos muito, e hoje ele é uma pessoa livre. Nem parece aquele.
Ramiro é assassino, e o amor por Kelvin ainda não o redimiu: ele continua cometendo crimes. Por que acha que ganhou a simpatia do público?
A: O público gosta de transformação. Viu que, no fundo, esse homem é produto do meio. Ele não é mau, simplesmente, alguma coisa houve ali. Na ausência do afeto, precisando sobreviver, ele acaba cometendo violências. As pessoas pensam: “Ramiro é um assassino, mas quer mudar. Vou torcer por ele”. E tem o humor nisso tudo. Esse é um caminho pra falar sobre as questões mais duras de maneira leve e fazer refletir. Tenho fé que Walcyr vai escrever essa transformação do Ramiro, porque ele merece. Não acredito que vá virar um anjo. Nós, seres humanos, somos o bem e o mal o tempo todo. Mas deve parar de matar.
As cenas dos sonhos que Ramiro tem com Kelvin são um capítulo à parte, verdadeiras superproduções. Como são essas gravações?
D: Tem sonhos em que a produção é muito demorada. A minha, no caso. Porque Amaury só coloca uma camisa e vai. Eu é que sofro na caracterização.
A: Diego sempre grava os bastidores e edita pras redes. Ou seja, dá pra voltar o “Video show” com ele apresentando (risos).
D: Eu faço isso justamente porque não existe mais o “Video show”. Eu amava! Ficava esperando o “Falha nossa”... As pessoas adoram saber!
Vocês também sonham muito quando estão apaixonados?
D: Eu sonho muito, no geral. Quando apaixonado, a gente acaba ficando muito conectado com o outro, então é normal.A: Eu sonho com o Ramiro 24 horas por dia. Estou apaixonado por ele. Durmo e acordo com ele, almoço e janto com ele. Já sonhei que esquecia o texto, tomava bronca, chegava pra gravar no horário e no lugar errados...
Qual é o crush dos sonhos de vocês?
D: Hoje, não saberia dizer. Mas, quando criança, o meu primeiro crush foi o Ricky Martin. Aquele homem era, e é, um acontecimento: gato, canta, dança...
A: Eu tenho crush na Susana Vieira. Quando gravamos juntos, eu estava nervoso, achei que ela fosse me dar umas broncas. Mas ela me abraçou depois, perguntando: “Você sentiu tesão?”. Eu disse que sim, e ela: “Eu também! Isso que é importante”. Também tenho crush no Tony Ramos. Lindo, gentil... Quando sai da cena, fica com a mãozinha atrás da câmera, ajudando a gente a encontrar o melhor ângulo. E Gloria Pires? Penso em ligar pro Walcyr e pedir pra colocar a gente de amante. Mas meu primeiro crush foi uma professora do pré-escolar.
FE o maior pesadelo de vocês, qual é?
A: Não poder viver do meu ofício neste país. Tenho pesadelos gigantes por não poder pagar as contas com a única coisa que sei fazer.
D: Além desse, tenho o pesadelo de não poder ser quem eu sou. Hoje (10 de outubro, dia desta entrevista), a Câmara aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo. É assustador saber que uma proposta assim passou em qualquer instância. Eu tenho o direito de ser eu. É um pesadelo perder isso.
A: Por isso eu acho que a gente pode fazer pequenas revoluçõescom a novela. Quando aprofundamos o debate de que dois homens podem formar uma família, interferimos nas questões políticas, nesse retrocesso tão absurdo.Vocês sonham casar e ter filhos?D: Sabe que não sei? Eu sou taurino... Às vezes, me dá vontade; às vezes, passa. Mas quero ter filho, criar uma criança adotada. Fiz uma redação na infância em que escrevi que desejava adotar. Tive muitos bons exemplos na minha família. Minha avó adotou, uma prima minha é adotada, tive um namorado adotado...
A: Quero ter muitos filhos, uns três pelo menos. Minha preocupação é que eu já estou com quase 40. Quanto mais velho eu ficar, menos eu vou aproveitar.
Vocês compartilham amigos, conhecem a família um do outro?
A: Minha mãe me liga e quer saber sobre mim só nos dez primeiros minutos. Depois, pergunta imediatamente por ele: “E Diego, tá bem? Se alimentando? Ele trabalha igual a você”. Ela fica insistindo pra ele ir a Niterói, porque quer fazer um almoço pra ele. É apaixonada por Kevinho, Jussara (Tatiana Tibúrcio) e Tony Ramos. Imagina Tony comendo a comida da minha mãe (risos)...
D: Eu implico com o Amaury o dia inteiro nos stories do Instagram. Minha mãe também fica: “Você não acha que ele já está de saco cheio, não?”.
A: Nossa convivência profissional é pessoal também. Um programa fez um quizz pra descobrir o quanto eu conhecia Diego. Acertei todas as perguntas: preferências de comida, roupa, cor... Pra esses personagens terem tamanha verdade, a gente precisa estar unido.
Têm apelidos com os quais se tratam?
D: Ele me chama de Diego Moraes e eu o chamo de Arilzon Lorenzo.A: É que a gente foi a São Paulo, e deixaram um bilhete assim no hotel pra mim: “É um prazer enorme recebê-lo, Arilzon Lorenzo” (risos).D: E ele tem uma persona quando está muito cansado. Fica mais devagar do que já é, e surge o Julinho, que deve ter uns 7 ou 8 anos, com voz fina.
Amaury já apareceu chorando num vídeo no Instagram por causa da hashtag #teamamosamaury.
Por que ficou tão emocionado?
A: Ah, no início da novela eu tive um problema nos bastidores, pensei até em desistir. Quase me convenceram de que eu não era bom o suficiente. Depois, viramos esse sucesso. Eu sou muito dedicado, perfeccionista, como todo bom sagitariano. Recentemente, disseram que eu tinha deslumbrado e queria abandonar o Ramiro pra fazer “Irmãos Coragem”, vê sô! Chorei tanto... Nos stories, alguém me perguntou se eu estava feliz com o personagem, e eu disse: “Ramiro está comigo pra onde quer que eu vá”. Não desisti dele porque ele não desistiu de mim. É mágico, espiritual. Aí, o pessoal subiu essa hashtag me acarinhando. Eu me emocionei, me arrepio até agora.
FONTE: Extra
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